Marcelo Odebrecht falou durante quase 50 minutos sobre a Arena Corinthians (Foto: Reprodução) |
Infelizmente, não vi ninguém fazer o certo: analisar a íntegra do depoimento. Que é extenso: quase 50 minutos. Pra vocês terem uma ideia, o G1 por exemplo só divulgou um trecho com menos de nove minutos, ou cerca de 20% do total. MUITA COISA não foi mostrada, e é isso que vou fazer nesse post.
Pra facilitar a compreensão, vou fazer essa análise em tópicos, e seguir a ordem cronológica das declarações no vídeo, que vocês também podem ver aqui embaixo. Vamos lá?
AVISO: TRECHOS GRIFADOS EM PRETO SÃO CITAÇÕES FIÉIS DE FALAS DE MARCELO ODEBRECHT
1 - O pedido de Lula
Marcelo Odebrecht abre seu depoimento falando que seu pai, Emilio, recebeu um pedido de Lula para que a empreiteira "ajudasse o Corinthians a construir um estádio privado", que custaria entre R$ 300 e 400 milhões. Ou seja, Lula praticou lobby para o Corinthians junto à construtora.
Digo lobby, pois a declaração não permite encaixar esse pedido nas condutas criminosas que normalmente são confundidas com o lobby, a saber: a corrupção ("oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para que este pratique, omita ou retarde qualquer ato de ofício"), a advocacia administrativa ("o patrocínio de interesse privado, na qualidade de funcionário público, perante à administração pública") e o tráfico de influência ("solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função"). Além do mais, Lula é conselheiro vitalício do Corinthians, logo intervir junto a Emilio Odebrecht pedindo que sua empresas assumisse as obras do novo estádio, de certa forma, era uma atitude esperada para um conselheiro do clube, não?
Essa declaração bate com os fatos. Realmente, foi em meados de 2010 que começou a se cogitar a Odebrecht como possível responsável pelo projeto, que ainda era debatido pelo Conselho Deliberativo, não contaria com financiamento do BNDES e sequer tinha definido Itaquera como local definitivo (ainda se falava de Guarulhos e até mesmo Pirituba). Mas era orçado, de fato, em cerca de R$ 400 milhões, como Marcelo afirmou.
2 - A força-tarefa do poder público para incluir o estádio do Corinthians na Copa
Em junho de 2010, a CBF excluiu oficialmente o Morumbi da Copa 2014, deixando a cidade de São Paulo sem um estádio pro evento. O estádio do Palmeiras não tinha a capacidade nem seguia o "padrão FIFA", e as opções seguintes eram de difícil execução - a reforma do Pacaembu já havia sido descartada e a construção de uma arena em Pirituba, que foi muito cogitada mas também sofreu resistências, especialmente por conta da falta de interesse do Corinthians de assumi-la após a Copa.
Foi nesse momento que, segundo Marcelo Odebrecht, as três esferas de poder (municipal, estadual e federal) constataram que "a única solução era a Arena". Mas havia um problema: o custo disso. Afinal o projeto sofreria mudanças, ficaria mais caro, e o Corinthians não aceitava pagar essa diferença. Algo deveria ser feito para que São Paulo continuasse na Copa.
Então, em 27 de agosto de 2010, anuncia-se: o novo estádio do Corinthians irá representar São Paulo na Copa de 2014. Nessa época, ainda se falava em um custo de R$ 300 milhões, que seriam bancados pela construtora em troca da receita da venda dos naming rights do estádio, mais R$ 170 milhões em estruturas para ampliar a capacidade para 68 mil lugares, por conta da abertura, que seriam pagos por quem mesmo? Segundo o então presidente corinthiano Andres Sanchez;. "O Comitê Organizador, patrocinadores, sei lá. Pelo Corinthians que não". OK.
Esse custo foi se elevando, mês após mês. Em dezembro de 2010, já se falava em um orçamento de cerca de R$ 600 milhões, por conta de "adaptações do projeto" feitas pelo comitê organizador local. Foi então que, segundo Marcelo, houve um encontro que prometia ser definitivo.
3 - O jantar
Marcelo Odebrecht relata que houve um jantar em sua casa, em 13 de janeiro de 2011, para definir a engenharia financeira da Arena Corinthians. Estavam presentes, segundo ele, Gilberto Kassab (então prefeito de São Paulo), Geraldo Alckmin (governador de São Paulo), Luciano Coutinho (então presidente do BNDES), Andres Sanchez (então presidente do Corinthians), Luis Paulo Rosenberg (então diretor de marketing do Corinthians), Ronaldo Fenômeno e alguns representantes da Odebrecht. A pauta? Definir como seriam divididos os custos do estádio corinthiano, que já batiam os R$ 820 milhões.
O grande problema desse aumento nos custos é que o Corinthians não aceitava bancar a fatura. Nas palavras do delator: "você sai de um estádio de R$ 400 milhões, que era o que o Corinthians queria, para um estádio de R$ 900 milhões por causa das exigências da abertura da Copa do Mundo".
Após muita discussão, Marcelo conta que "se acertou de boca" a seguinte conta: o Corinthians continuaria bancando R$ 400 milhões (via empréstimo do BNDES) e a Prefeitura de São Paulo cobriria a "diferença", de R$ 420 milhões, através de CID's (Certificados de Incentivo ao Desenvolvimento), valendo-se para isso de lei aprovada na gestão Marta Suplicy. O que, nas palavras do empreiteiro, "em tese se justificava, porque realmente o estádio levou a uma supervalorização da região".
Era uma "conta possível", segundo Marcelo Odebrecht, com apenas uma ressalva, levantada nesse jantar: a de que os benefícios tributários dos CID's viriam apenas ao longo dos anos, o que em tese desvalorizaria os papéis. No entanto, ele afirma ter sido tranquilizado por Kassab, que prometeu: "vou ajudar vocês na monetização desse assunto". De que forma? Negociando com o Ministério da Fazenda para que os tais R$ 420 milhões fossem enviados "para outro lugar onde a prefeitura precisasse", e assim ele (Kassab) reservaria esse dinheiro para "fazer frente à desoneração tributária dos CID's". O que não foi cumprido, segundo Marcelo. "Ele prometeu mas só depois viu as implicações na Lei de Responsabilidade Fiscal".
Outros compromissos firmados no jantar, sempre segundo Odebrecht, foram: a Prefeitura bancaria os overlays (estruturas temporárias), que custariam entre R$ 60 -100 milhões; o Governo do Estado custearia as obras do entorno e as arquibancadas provisórias, no valor de R$ 20 - 40 milhões; e o BNDES se responsabilizaria por aprovar o financiamento dos R$ 400 milhões ao Corinthians. Tudo dentro da lei, segundo Marcelo Odebrecht.
4 - Ainda sobre o jantar: garantias e o surgimento da SPE imobiliária
Havia um problema com o plano, que não existia em outros projetos de estádios para a Copa: a Arena Corinthians era um projeto privado de um clube de futebol, e por isso as regras de concessão do empréstimo via BNDES era muito mais rígidas. Para "driblar" isso, combinou-se que seria criada uma empresa, na forma de uma SPE (Sociedade de Propósito Específico) imobiliária, para ser proprietária e gestora da Arena. Dessa forma, o dinheiro não iria para o clube, e sim para a SPE, que estaria "imune aos passivos do clube", nas palavras de Marcelo.
Luciano Coutinho, pelo BNDES, aceitou a estratégia e prometeu viabilizar o empréstimo através da Caixa Econômica Federal. Como contrapartida, a Odebrecht ofereceu garantias para o projeto, enquanto estivesse executando a obra.
Com todos os pontos amarrados, o projeto seguiu adiante. No entanto, quase foi cancelado poucos meses depois. Marcelo Odebrecht contou por que.
O terreno em Itaquera, em junho de 2011 (Foto: Danilo Verpa / Folhapress) |
Ainda no primeiro semestre de 2011, houve um momento em que Marcelo Odebrecht diz ter tentado desistir da Arena Corinthians. "Logo (depois) que fechou os R$ 820 milhões (de orçamento), o arquiteto do Corinthians veio com uns projetos malucos, e o custo aumentou um pouco. Isso gerou desgaste. Então disse, 'vamos sair, a gente não vai ganhar nada mesmo'". Foi necessária a intervenção de Lula, já como ex-presidente, para que o empresário voltasse atrás. Essa conversa, segundo ele, ocorreu em uma reunião, antes de um evento na cidade de Comandatuba/BA que contaria com uma palestra do político. Deu certo: o projeto continuou.
A declaração bate com os fatos. O projeto do estádio, que em fevereiro daquele ano teve 109 erros apontados pela FIFA, pouco tempo depois já tinha seu plano de custos aumentado em mais de 20%, superando o valor de R$ 1 bilhão. Tal elevação fez o Corinthians procurar a palavra de outras empreiteiras, para ver se os valores apresentados eram realistas, o que quase resultou em uma ruptura da parceria. Em junho, porém, clube e construtora entraram em um acordo, e o orçamento foi novamente reduzido para cerca de R$ 800 milhões.
Em julho de 2011, o Corinthians anunciou oficialmente o acordo com a Odebrecht para a construção da Arena, pelo custo de R$ 820 milhões. E em setembro, o contrato foi finalmente assinado, em evento que contou com a presença do ex-presidente Lula.
6 - A intervenção de Dilma Rousseff
A obra em Itaquera começou, e com o passar dos meses tudo ia correndo mais ou menos normalmente. "Mais ou menos" pois havia um problema: o empréstimo do BNDES não saía. Corinthians e Caixa Econômica não entravam em um acordo sobre garantias financeiras - o que inclusive forçou a Odebrecht a recorrer a empréstimos-ponte para financiar a obra, permitindo que a mesma continuasse.
E a situação pioraria: Marcelo Odebrecht relata que recebeu um aviso de Jorge Heredia, então vice-presidente de Governo da Caixa Econômica: "A presidenta mandou cancelar o financiamento". Não apenas da Arena Corinthians, mas também da Arena Pernambuco e da Fonte Nova. Segundo Heredia, o "problema" era uma reclamação do então ministro dos Esportes, Orlando Silva.
O empreiteiro, então, pediu uma reunião com Dilma, e foi atendido. No encontro, onde também estava presente Luciano Coutinho e Antonio Palocci (então ministro-chefe da Casa Civil), ela foi convencida a liberar os projetos, mas o financiamento da Arena Corinthians deveria ser feito não via Caixa Econômica, mas pelo Banco do Brasil, por ser "mais confiável". A preocupação da presidenta, segundo Odebrecht, é que a Caixa poderia flexibilizar mais as garantias. Ele concordava: acredita que, pela estrutura, a Caixa era "mais suscetível à pressão de cima". Nas suas palavras: "Se a presidenta diz para o ministro 'resolve essa questão e bota o vice-presidente pra resolver', na Caixa funciona. No BB a gente sente que o corporativismo é mais forte, a influência de cima funciona menos".
E assim, o financiamento passou a ser negociado com o BB. O problema, para a empreiteira, é que os problemas que não existiam com a Caixa passaram a existir com o Banco do Brasil, especialmente no que se refere à estratégia de usar uma SPE imobiliária para driblar o risco de se emprestar o dinheiro a um clube. Para o BB, independente da SPE, o beneficiário era o Corinthians. E com isso, meses se passaram e as conversas não avançaram.
A demora foi tanta que Marcelo Odebrecht chegou a propor uma "troca de favores" ao então Ministro da Fazendo, Guido Mantega. A Odebrecht possuía créditos a receber da Eletrobras, que estavam paralisados. A proposta feita pelo empreiteiro era simples: se o ministro conseguisse liberar esses créditos, ele os usaria como garantia para o BB na proposta de financiamento do BNDES. Não deu certo: Mantega rejeitou. Foi aí que se constatou, definitivamente, que o empréstimo não sairia de forma alguma no Banco do Brasil, e isso já era veiculado pela imprensa, no início de 2013.
7 - O ultimato à presidenta
Em abril de 2013, a presidenta Dilma foi à Bahia inaugurar a Arena Fonte Nova. Marcelo Odebrecht conta, no depoimento, que aproveitou a ocasião para se encontrar com ela. No encontro, ele disse: "(o financiamento) só vai sair se a senhora der a orientação de voltar para a Caixa, pois a senhora tirou de lá". Segundo ele, Dilma acabou concordando e dando a orientação para Guido Mantega, que acionou um dos vices-presidentes do banco, Marcos Vasconcelos.
Já ciente de todos os entraves colocados pelo Banco do Brasil, a Caixa Econômica inicialmente rejeitou as garantias dadas anteriormente, fazendo novas exigências. Manteve-se, no entanto, a estratégia de usar a figura da SPE imobiliária para "blindar" o financiamento dos passivos do clube.
Entre as garantias extras negociadas nos meses seguintes, está o terreno do Parque São Jorge, incluído pelo Corinthians na negociação em junho de 2013. A Odebrecht também aumentou suas garantias ("coisa pouca", segundo o agora delator). E então, em 29 de novembro de 2013, finalmente era assinado o contrato de financiamento da Arena Corinthians junto ao BNDES, no valor de R$ 400 milhões, tendo a Caixa como banco repassador, nos termos do Programa Pro-Copa Arenas. A essa altura, as obras já estavam 94% concluídas, o que mostra o tamanho do atraso com que o acordo foi firmado.
Nesse momento, Marcelo Odebrecht faz uma espécia de mea culpa sobre o modo como agiu para conseguir viabilizar o projeto. Nas palavras dele: "foram horas de reunião, interferências... não é correto. Não funciona assim". Caberá à Justiça dizer se essas intervenções foram criminosas, afinal.
Em junho de 2013, todos celebravam a conquista da Copa das Confederações - inclusive Dilma (Foto: Roberto Stuckert Filho) |
Nessa parte do depoimento, Marcelo Odebrecht é instado a falar sobre o aumento nos custos da Arena. Contextualizando: em fevereiro de 2014 falava-se em custos extras de R$ 110 milhões, elevando o total da Arena para R$ 930 milhões, mas apenas dois meses depois esse montante já era projetado em R$ 1,150 bilhão - o que levou à necessidade de contratar um novo empréstimo-ponte de R$ 350 milhões.
O empreiteiro explicou. Segundo ele, o grande problema do projeto foi o descumprimento das promessas feitas naquele jantar em 2011. A Prefeitura, por exemplo, voltou atrás na promessa de bancar o overlay, e nada pôde ser feito contra isso, já que o Corinthians aceitou se responsabilizar por esse custo na assinatura do contrato - gerando mais um custo de aproximadamente R$ 70 milhões para o clube. Outro ponto levantado por ele foi o atraso de quase três anos na liberação do empréstimo pelo BNDES, muito graças à decisão de Dilma de barrar, inicialmente, o uso da Caixa como banco repassador.
Os CID's também foram um grande problema, segundo Odebrecht. Isso pois o prefeito Kassab, em 2011, havia prometido monetizar os R$ 420 milhões referentes aos papéis ainda durante a obra, e isso não foi feito. Pior: em maio de 2012, o promotor do Ministério Público de SP, Marcelo Milani, ingressou com ação contra a Prefeitura, a Odebrecht e o Corinthians contra a concessão do incentivo fiscal. O processo gerou insegurança suficiente para que os papéis se tornassem, na prática, inegociáveis no mercado. Sobre isso, Marcelo Odebrecht comenta: "os CID's não saía por causa da ação pública; as empresas queriam uma garantia da Odebrecht". Somente em outubro de 2015, um ano de meio após a Copa, é que a Justiça negou a ação e considerou regular o benefício fiscal.
A grande e maior revelação desse trecho do depoimento, porém, fica por conta dos naming rights. Marcelo Odebrecht conta que a venda só não aconteceu, basicamente, porque o Corinthians não quis. Nas suas palavras: "A gente levou ofertas para o Corinthians, de R$ 250 - 300 milhões, e o Corinthians achava que tinha que ser R$ 400 milhões. Hoje, não tem naming rights". Ele não deixa claro, no entanto, se ele era o autor da oferta ou apenas um intermediário de outra empresa.
9 - De volta a Brasília
Em outubro de 2016, caiu como uma bomba na imprensa a notícia de que, em 2014, a Caixa havia socorrido a Odebrecht com um empréstimo de R$ 350 milhões para cobrir os custos da obra em Itaquera. Marcelo Odebrecht confirmou a transação em seu depoimento, e deu detalhes sobre como foi feito.
Segundo ele, houve um novo encontro com a presidenta Dilma, para a qual ele disse: "Eu tenho um problema aqui. Eu tenho um buraco de R$ 350 milhões (no custo da obra), e só tem uma opção: eu emprestar pra Arena e virar um credor, mas eu não tenho dinheiro. Preciso que a Caixa me empreste e eu empresto, e nesse processo eu também empresto para o overlay". Ele conseguiu o valor, e assim tornou-se credor secundário da Arena, sendo a Caixa o credor primário.
Dessa forma, a Arena Corinthians tem basicamente três grandes passivos: um com a Caixa, repassadora do financiamento do BNDES; e a Odebrecht em duas frentes, uma por conta de custos com a obra que não foram pagos (por conta da não-negociação dos CID's) e outra por conta desse empréstimo-ponte de R$ 350 milhões, que na prática são devidos pela construtora à Caixa.
A falta de dinheiro, no entanto, gera consequências: segundo o delator, "algumas coisas" do projeto inicial da Arena simplesmente foram "sendo deixadas de lado". Nas palavras dele, "não tem o dinheiro, não vamos fazer". O que, ele próprio reconhece, "prejudica o plano de negócios do clube". É por essas e outras que uma auditoria está sendo feita na Arena, a pedido do Corinthians.
10 - Lula, o poderoso lobista
Marcelo Odebrecht foi pressionado a explicar qual era o papel do ex-presidente na Arena, ao que respondeu: "a gente sempre ficava no pé do Lula, porque no fundo quem tinha metido a gente nesse enrosco era ele". Segundo o delator. as demandas eram levadas ao ex-presidente, que fazia pedidos a quem fosse de direito, como Guido Mantega e Fernando Haddad (segundo o empreiteiro). Mas nem sempre resolvia: em novembro de 2014, por exemplo, o então prefeito Haddad rejeitou dar garantias aos CID's que o Corinthians não conseguisse vender no mercado.
Contextualizando: hoje, seis meses após a rejeição do processo do MP/SP, o cenário ainda é preocupante, mas certamente mais favorável: o Arena Fundo de Investimento Imobiliário (empresa gestora do estádio) já conseguiu vender R$ 42,5 milhões em papéis e possui garantia de venda de outros R$ 70 milhões, totalizando mais de R$ 110 milhões de certificados negociados - valor que deve seguir aumentando ao longo dos meses. Além disso, a Odebrecht tem obrigação contratual de adquirir as CID's, caso não sejam vendidas, em até 10 anos - mas o Corinthians não espera que isso seja necessário.
Voltando ao Lula. Marcelo é novamente questionado, se em algum momento ele recebeu qualquer pedido de político, para que fossem feitos favores por conta da Arena. Ele responde taxativamente que não, mas complementa: "só esse pedido inicial do Lula, e a gente tentou que o Lula ajudasse a gente a resolver imbróglios. Mas eu não lembro de ter nenhum pedido político". Caberá à Justiça dizer se em algumas dessas intervenções de Lula houve algum ato ilícito. Vale lembrar, no entanto, que o lobby é comumente confundido com condutas criminosas, e por isso deve haver investigação criteriosa. É preciso checar se, realmente, o ex-presidente e conselheiro vitalício do Corinthians não ganhou nada ao lidar com esse assunto.
11 - E o Andres, ganhou alguma coisa?
Marcelo Odebrecht também rechaçou a possibilidade de que o então presidente do Corinthians, deputado federal Andres Sanchez, tenha recebido propina por conta da Arena. Ele não nega, porém, a possibilidade de ele ter recebido doação, oficial ou não. Nas suas palavras: "Quando eu estava preso, veio esse assunto de que Andres Sanchez recebeu, eu imagino que doação de campanha. Até porque Andres Sanchez nunca precisou, nunca pediu nada em relação a isso. Era um cara que a gente conhecia como empresário, cliente na época da Braskem - por isso a relação dele com o Alexandrino (Alencar, ex-diretor da construtora). Andres Sanchez nunca pediria nada. O que pode ter acontecido, e por isso deve ter ele na planilha, é que a gente doou para o Andres, e se era uma relação diferenciada é provável que tenha tido doação de Caixa 2".
Na prática, existem duas suspeitas de pagamentos da Odebrecht a pessoas envolvidas com o Corinthians. Uma delas, divulgada pela imprensa em março de 2016, trata de André Negão, vice-presidente do clube, que teria recebido R$ 500 mil da construtora. A outra, mais recente, trata de um pagamento feito a Andres Sanchez, no valor de R$ 3 milhões, na forma de Caixa 2. Os dois negam as acusações.
12 - Sobre o aumento "excessivo" nos custos
O empreiteiro foi perguntado sobre o porquê de o custo da obra ter subido demais. Ele rebateu, dizendo que o que havia subido, na verdade, tinha sido o custo financeiro. Então, foi questionado se a Odebrecht não havia projetado os custos financeiros, no que foi novamente respondido que não, pois nada seguiu o planejado na engenharia financeira.
Marcelo Odebrecht listou os imprevistos: o overlay foi adicionado ao valor da obra; os CID's deveriam ser pagos e monetizados durante a obra; e o empréstimo do BNDES, que deveria ser liberado durante a obra, só o foi dois anos depois, pelo valor nominal, sem correção. Ele acabou se esquecendo de citar os naming rights, cuja venda era prevista e até hoje não aconteceu.
Na opinião dele, "graças" a todos esses problemas, é provável que todos percam com a Arena: Odebrecht, Caixa e Corinthians. A esperança, segundo ele, é que os CID's sejam vendidos rapidamente; caso contrário "todo mundo vai perder".
Mesmo assim, Marcelo não criticou o plano de negócios do Corinthians. Segundo ele, o grande problema foi de fato os naming rights e os CID's não terem saído. Nas suas palavras: "se tivessem (saído conforme se esperava), fechava o plano. O erro (de avaliação) é marginal".
Apesar de tudo, a Arena Corinthians foi feita, e é nossa casa (Foto: Reprodução / Youtube) |
Uma coisa fica latente no depoimento de Marcelo Odebrecht: seu inconformismo com as promessas descumpridas pelos representantes do poder público. Em vários momentos, ele explicita que muitos dos problemas vividos pela Arena se deram a compromissos firmados inicialmente, que simplesmente foram esquecidos ou ignorados depois.
Em um dos trechos, ele declarou: "Os representantes prometeram coisas que não podiam ou não conseguiram cumprir. Com exceção do Alckmin. O Alckmin foi, na prática, o único que cumpriu o que prometeu: as obras do entorno e as estruturas, que não tinha dinheiro mas ele foi atrás de patrocínio, acho que Ambev, e viabilizou o que prometeu". Ele está correto: a parceria entre Governo do Estado e Ambev foi fechada ainda em 2012, pela qual a empresa bancaria os 20 mil assentos provisórios em troca do direito de explorar a publicidade no estádio.
Sobram críticas, também, para a postura de Dilma Rousseff durante a preparação do país para a Copa. Segundo ele, Dilma "nunca comprou a ideia da Copa", "sempre achou que era um pepino" e "achava que o problema era dos estados". Essa falta de envolvimento, ainda segundo ele, fez com que a FIFA "deitasse e rolasse" na organização, conseguindo assim perfazer o maior lucro de sua história com o evento, sem se comprometer com praticamente nenhum gasto. Essas declarações foram razão de desconfiança por parte dos interrogadores, que estranharam o próprio governo criando obstáculos em projetos de seu interesse. Marcelo Odebrecht rebateu afirmando que não eram obstáculos colocados propositalmente, mas de forma indireta ou por omissão - no caso de Dilma, por omissão.
14 - Arrependimento
Já no final do depoimento, Marcelo Odebrecht declarou que sempre soube que a empreiteira não lucraria com a Arena. E que se pudesse, não teria continuado com a obra. Segundo ele, "se soubesse do filme, não teria entrado".
Ele foi questionado, então, sobre porque não caiu fora. Segundo Marcelo, os contatos e as relações da empreiteira fizeram com que ele pensasse que poderia resolver tudo, e às vezes isso pesou contra, pois aumentou alguns problemas. Em suas palavras: "A obra estava andando, quando você vê já tá enrolado. E a essa altura, a gente ia ter toda a torcida do Corinthians contra a gente".
O sigilo no processo
Vale lembrar que o relator da Operação Lava-Jato no STF, ministro Edson Fachin, decidiu por manter o sigilo nas investigações de possíveis condutas criminosas na construção da Arena. Sendo assim, ainda vai demorar até sabermos o quanto é verdade desse depoimento, o que é mentira, e o que foi omitido. É tranquilizador, no entanto, ver que durante todo o depoimento, Marcelo Odebrecht isenta a instituição Corinthians de qualquer conduta criminosa.
São quase 50 minutos que jogam uma luz providencial em um assunto que, durante anos, foi escondido da torcida. Vamos esperar que isso mude, que o quanto antes tudo seja divulgado com a devida transparência, e que todas as pessoas culpadas de algum crime sejam punidas - e se tiverem relação com o Corinthians, que sejam banidas do clube. Nada menos do que isso é aceitável.
Delata mais, Marcelo!
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