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sábado, 27 de fevereiro de 2016

Quando as torcidas viram militância


Lembro-me do auge da minha adolescência, na escola, quando, ao mesclar minhas paixões ideológicas e futebolísticas, conversava com meus amigos de sala sobre como as torcidas organizadas brasileiras dariam grandes tropas revolucionárias: desde sempre oprimidos e recriminados, organizadíssimos e completamente unidos, ideologicamente bem orientados e carregados daquela pitada de radicalismo necessário para tal.

É claro, eram elucidações radicais, próprias de um jovem indignado com muita coisa e com bastante disposição para tentar abraçar o mundo. E, como palmeirense, ao frequentar o estádio, afastava-me desse pensamento ao observar uma oligárquica Mancha Verde, que vira e mexe tomava más decisões.
Porém, há pouco tempo, a Gaviões da Fiel ressuscitou aquele meu pensamento de anos atrás. Logo a Gaviões, tão criticada, tão rival. Mas isso se dissipou instantaneamente quando vi os uniformizados alavancando temas que de tão sociais, afugentam qualquer mínimo sentimento clubista.

Os protestos da torcida corintiana, a princípio, me geraram dois raciocínios. Primeiro: é importante demais ver o futebol entrando na luta. O esporte, sempre tão julgado por intelectuais um pouco mais conservadores (e chatos) como algo ignorante, reduzido à simploriedade de “pão e circo”, colocando Fernando Capez e sua quadrilha na parede e partindo pra cima de seus dois ‘opressores naturais’, CBF e Globo. Uma verdadeira realização para os fãs do esporte que não se contentavam em ficar apenas sabendo a nova affair do Pato.

Segundo: finalmente, é a ‘quebrada’ chegando para falar algo. Sem coletivos universitários ou militâncias partidárias, e sim o verdadeiro ‘povão’, aquele que prima tanto pelo jogo das 16h no domingo quanto por um prato de comida. Que acorda cedo na segunda sem tempo para reclamar, que tem (com justiça, e como eu) receio da polícia e sabe o que e quando algo cheira mal. O que faltou sempre foi instrução, organização e motivação – ou um estopim, melhor dizendo, afinal, motivação melhor que nosso cotidiano não existe. E o que melhor que uma torcida organizada?

No caso da Globo, a emissora só tem a perder. Deu as costas aos outros três grandes de São Paulo (que já flertam com outras emissoras), e o único clube a quem ela decidiu dar “privilégios” (muito menores do que os merecidos), a torcida deste a ataca como nunca antes. O monopólio das transmissões, pela primeira vez em muitos anos, é abalado.

A CBF permanece intocável pela frouxidão dos clubes, que permanecem omissos e submissos em meio a tantos escândalos e arbitrariedades da federação. E quando me refiro a clubes, me refiro a suas diretorias aristocráticas e poderosas, pois os verdadeiros representantes das agremiações são as torcidas, que agora começam a ter um novo e importante papel no processo de desconstrução da entidade que comanda o futebol. Em meio a tantos trâmites políticos, era o que faltava, e precisa ser mais forte.

A reivindicação por ingressos baratos é parte de uma corrente que vai ganhando mais partidários a cada dia, que é a contra o futebol moderno. Já com um discurso basicamente pronto, com pontos claros e uma retórica bem interessante, o movimento contra o futebol moderno não necessariamente assume um caráter conservador, e sim contra a segregação futbolística – afinal, quem se opôs ao apartheid sul-africano não poderia e nem deveria ser chamado de conservador.

A Gaviões novamente coloca para fora um grito sufocado de torcedores que querem de volta um bem que está sendo tirado de si. O futebol, a cada dia mais elitizado, é tomado abruptamente daqueles que o criaram e, dessa vez, o “espelho” que os exploradores nos dão em troca são bancos acolchoados, telões de última geração, escadas rolantes, cobertura contra chuva e cantinas gourmet. Pura ilusão frente à alma futebolística, que está sendo surrupiada – mas esse assunto vai longe, e pode render muitas e muitas teses.

E talvez a mais importante questão levada à tona pelos Gaviões foi a de Fernando Capez e a máfia da merenda. O mesmo Capez que, há alguns anos, conseguiu se eleger como Deputado Estadual apoiado no discurso pelo fim das torcidas organizadas. Sim, eles guardaram isso. E quando quase tudo deles foi tirado, eles resolveram ir um pouco além de pichações de muro, briga de porrete e destruição de carros alheios. A cobrança dessa vez não foi ao jogador que está fazendo corpo mole, e sim ao político que leva ao pé da letra a expressão “fácil como tirar doce de criança”. Ainda no ritmo do Carnaval, a torcida alvinegra tem feitos os desfiles da democracia, com cantos de reinvindicação e indignação. Com esclarecimento para não baixar mesmo com o verdadeiro boicote do Fantástico, que mostrou no último domingo apenas o que era conveniente em relação ao comportamento da torcida na última rodada.

E assim podemos até elucidar uma nova era nas manifestações Brasil à fora. Será que com torcidas organizadas participando de manifestações como aquelas contra o aumento da passagem de ônibus e metrô, o massacre policial aplicado nos manifestantes, em sua maioria estudantes, teria sido tão ‘bem sucedido’? É um novo tipo de massa que é chamado para o debate social. E em número suficiente para causar terror no até mais bem assessorado engravatado.

Só clamo para que a Gaviões do Fiel não deixe sua pequena revolução descambar unicamente para o lado pessoal. Que o ímpeto pela justiça social se mantenha e, quem dera, se una a outras torcidas. Todos nós, apaixonados por futebol, pedimos por paz nos estádios, mas em frente à sede da FPF e de outras organizações sanguessugas... Ah! O que menos queremos é a paz dos cartolas! Façam, com integridade, valer as palavras:

“Eu não roubo merenda, eu não sou deputado, trabalho todo dia, não roubo meu Estado [...] É guerra, é guerra, é guerra... liberdade ou guerra!”

Gabriel Proiete, 19 anos, é palmeirense, estudante de jornalismo da Universidade São Judas (SP) e fã de esportes americanos. Escreve periodicamente no Torcedores.com, é interessado em antropologia esportiva e na capacidade do futebol em mudar a vida das pessoas

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